A história do “Rocky Mexicano” reacendeu os tempos de glória da maior categoria do boxe mundial

Raphael Evangelista
6 min readJun 3, 2019

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Em uma noite ele passou de um lutador em busca de uma chance para um lutador com QUATRO cinturões de campeão do mundo nos pesos pesados.

Quem cresceu nos anos 1980 e 1990 certamente ouvia falar bastante sobre os grandes lutadores da “nobre arte” e acompanhou a saga cinematográfica que envolveu um dos mais emblemáticos personagens de Sylvester Stallone, o boxeador Rocky Balboa.

Rocky era um sujeito simples que vivia na Filadélfia e ganhava a vida fazendo cobranças para agiotas. Quem não pagava recebia uma lição dolorida do brutamontes. Vez ou outra ele também tirava um dinheiro com lutas de boxe amadoras onde era conhecido por “Garanhão Italiano”.

Até que um dia, Apollo Creed, o atual campeão mundial dos pesos pesados de boxe, procura uma luta para substituir uma outra que faria e surge a ideia de dar uma chance em uma exibição contra um rapaz desconhecido. Eis que surge a oportunidade da vida de Rocky, que acaba sendo escolhido para a luta pelo seu peculiar apelido.

Apollo achava que geraria muita publicidade e seria ótimo para todo mundo, ele que faria uma luta fácil, para o entretenimento no mundo do boxe e para o público que teria um belo show em plena virada de ano. Todo mundo esperava que Balboa fosse derrotado facilmente e que fosse mais um passeio do campeão. Ledo engano.

A luta se mostra mais difícil do que parecia e mesmo sendo derrotado (aqui um parênteses sobre o resultado da luta: na versão dublada para o português, fica claro que a luta teria empatado, quando na verdade Apollo vence por pontos), Rocky conquista o público e surpreende. Até que em “Rocky II, a revanche”, ele vence e se torna o campeão do mundo de boxe.

Um sujeito saído do nada que surpreende o mundo e vira o maior lutador da atualidade.

Algo muito parecido aconteceu com este cara aqui:

Ele é Andy Ruiz Jr.

Lutador da categoria peso pesado que entrou de vez para a história do boxe mundial no último sábado (1) após vencer por nocaute técnico o atual multi-campeão Anthony Joshua e se tornar o primeiro lutador com ascendência mexicana a conquistar um título de campeão do mundo na categoria, outrora dominada por Mike Tyson, Hollyfield, George Foreman, Lennox Lewis, Muhammad Ali e outras tantas lendas do nobre esporte.

Quem é Anthony Joshua, o ex-campeão?

Joshua exibe seus quatro cinturões enquanto ainda era o dono.

Para quem é familiarizado com o mundo da luta, sabe que a rotatividade entre campeões mundiais é bem grande. Diferente de outros esportes, não existe um torneio onde dali sai o melhor dos melhores, mas sim um ranking que vai credenciando os lutadores a subirem de patamar até conseguirem lutar com quem está no topo e ostentando o cinturão (ou mais de um, dependendo da associação de boxe) de maior do mundo. Era o que aconteceu com Anthony Joshua.

Campeão olímpico de boxe em 2012 ainda como amador, o lutado britânico mantém números incríveis na carreira como profissional, até a derrota para Andy Ruiz foram 22 lutas, 21 delas vencidas por nocaute e nenhuma derrota. Ele foi o segundo lutador britânico na história a conseguir um ouro olímpico e um título mundial como profissional.

Não era por um acaso que ele unificou título de quatro organizações de boxe diferentes, sendo elas: IBF (Federação Internacional de Boxe), WBO (Organização Mundial de Boxe), IBO (Organização Internacional de Boxe) e o super título da WBA (Associação Mundial de Boxe) que é dado para quem detém os mais de um dos maiores cinturões de boxe mundial.

Ele conseguiu unificar esses títulos ao derrotar ninguém menos do que o ucraniano Wladimir Klitschko, um dos maiores nomes da história do boxe, que só para se ter uma ideia da grandeza, foi o campeão dos pesos pesados que mais tempo se manteve como campeão (Foram DOZE ANOS como campeão se juntar todas as vezes em que manteve cinturões em mais de uma organização), superando Tyson, Ali, Hollyfield e tantos outros.

Além de tudo, Joshua goza de grande popularidade. Suas últimas três lutas tinham reunido quase 250 mil pessoas na Inglaterra para testemunhar suas vitórias. A luta contra Ruiz seria a primeira dele em solo americano e segundo ele: “um novo passo na carreira”.

Isso tudo serve para ter uma noção de quão gigantesco é Joshua no cenário do boxe atual e dar uma dimensão do feito do “Rocky Mexicano”.

O “Rocky Balboa mexicano”.

A comparação é feita graças ao fato dele ter chegado “do nada” e arrebentado com o atual campeão. Entretanto, Andy Ruiz não era tão azarão quanto era Balboa em “Rocky” I e II. Ele já tinha um legado em construção.

Nascido na Califórnia, mas de família mexicana, disputou várias competições em seu país, chegou a vencer alguns torneios nacionais na juventude, chegou a integrar a equipe mexicana de boxe em competições grandes e seletivas para jogos olímpicos.

Como amador ele tinha feito mais de 130 lutas e segundo ele próprio, um cartel de pelo menos 105 vitórias.

Já no profissional, sua carreira ainda não incluía um título de expressão, mas tinha lá seus méritos. São 34 lutas, 33 vitórias (22 por nocaute) e 1 derrota. A derrota era justamente em uma tentativa de título em 2016, contra Joseph Parker, valendo o título vago de campeão da WBO (que agora ele conquistou).

Mas por que ser chamado assim, se ele seguia com uma carreira mediana e nem de longe era tão amador quanto o Rocky original?

Andy “Destroyer” Ruiz não seria o escolhido para lutar contra Joshua pelo título. O desafiante aos cinturões seria o invicto americano Jarrell Miller, mas o ele foi pego no antidoping, reprovado em três testes e a luta teve de ser remarcada, para a sorte de Ruiz.

Na ocasião, Andy não era um dos mais bem colocados em muitos dos ranking dos pesos pesados (era 5º na WBA, 11º na WBO e 15º na IBF) e nem de longe considerado favorito para esta luta. Tudo parecia programado para um passeio do campeão (como imaginou Apollo Creed em outros tempos contra o rapaz da Filadélfia).

A luta.

De um lado o popular atual campeão. Do outro um quase desconhecido. O cenário? O Madison Square Garden, em Nova Iorque, palco de várias epopeicas batalhas dos ringues nos tempos de ouro do boxe. Principal luta de um sábado a noite. Parece de fato roteiro de filme.

Ainda houve muita gente comentando em relação ao biotipo dos dois lutadores. Joshua é fortão, bombadão. Enquanto Andy é grande e corpulento. O que não quer dizer muita coisa na categoria peso pesado, vide o Butterbean (veja imagem), um ex-campeão da categoria ( 77 Vitórias, 58 por nocaute) que era gordo mas possuía um vigor físico e uma patada atômica invejáveis em muitos profissionais.

Uma luta que começou bastante estudada, com os primeiros rounds bem mornos. Só apartir do terceiro round a luta começou a ficar mais animada e Joshua conseguiu colocar o adversário no chão após um gancho bem acertado. O campeão ainda acertaria mais alguns bons golpes nesse round, mas Ruiz seguia resistindo bravamente, foi aí que ficou uma luta mais franca, com muita trocação, até que Ruiz se recuperou, acertou bons golpes e levou Joshua para a lona duas vezes. Os rounds seguintes voltaram a ser mais estudados, com ambos procurando pontuar na concepção dos juízes.

Chegaria então o round 7 e após uma sequência de golpes bem acertados logo no início do round, Joshua mais uma vez cairia bastante confuso. Se levantou e tentou retomar o ritmo mas estava visivelmente atordoado. Até que faltando dois minutos para o final, Andy Ruiz Jr. acertaria mais uma vez um bom golpe que deixaria o adversário de joelhos e na decisão do juiz, sem condições de prosseguir na luta. A história era feita naquele momento.

O próprio Sylvester Stallone celebrou o feito através de um meme em seu Instagram:

Foi o que bastou para que o “Destroyer” se transformasse imediatamente no Rocky Balboa mexicano. Mais uma dessas grandes histórias de gigantes caindo no esporte. Essa luta entra para a seleta galeria de azarões impondo uma derrota surpreendente a um campeão, assim como já aconteceu em outras ocasiões, como quando Buster Douglas nocauteou Mike Tyson em 1990 ou quando o então jovem Cassius Klay (mais tarde Muhammad Ali) derrotou Sonny Liston em 1964.

O momento da glória
Anthony Joshua parabenizou o rival em seu Instagram

Resta saber como será a carreira do novo campeão daqui em diante e qual legado surgirá dessa incrível história de superação.

Assim como fica uma grande interrogação de como será a vida de Anthony Joshua após essa derrota e quais serão os planos da sequência de sua brilhante carreira até aqui.

Enquanto isso, é bom o mundo saber que há um novo (e merecido) super-campeão dos pesos pesados de boxe.

Se você quiser ver os melhores momentos da luta entre Andy Di e Joshua, tem um vídeo aqui.

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Raphael Evangelista
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Written by Raphael Evangelista

Escrevo algumas coisas. Já fui redator lá naquele site das listas, adoro pizza, cachorro quente e paro a vida por um mês a cada quatro anos para ver a Copa.

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